27/03/2023

CRA pulverizado - Qual a expertise necessária para essa estruturação?

 Por Mathias Teixeira, Diretor de Originação da Ecoagro


Mais um ano se passou e o mercado de CRA, independentemente de eleições, de seca em diversos estados, de novos lockdowns mundo afora ou até mesmo uma guerra, continuou crescendo e mostrando a demanda do agro brasileiro. Alcançamos um estoque de CRAS no país de aproximadamente R$ 100 Bilhões. Este volume é bastante expressivo por si só, mas ainda mais impressionante quando comparamos ao estoque de recursos controlados de R$ 192 Bilhões, que sempre foram o principal motor do setor. Tivemos ainda o aumento de operações para nomes menores, com estruturas diferentes, levando o dinheiro onde mais se precisa. Para ilustrar tal informação, em 2022, aproximadamente metade das emissões foram feitas com valor inferior a R$ 50 milhões de reais. Não digo que as maiores empresas do país não precisam de recursos e que elas não façam diferença, mas certamente as grandes encontram mais facilidades financeiras. O interessante é que, cada vez mais, estamos conseguindo aprofundar as análises e estruturas para o setor, além de contarmos com o aumento no número de pessoas especializadas que trazem operações para um mercado menos assistido.


Um dos mecanismos para fazer o dinheiro chegar a essas empresas menores é a operação com base em uma carteira de recebíveis pulverizada. No caso do Brasil, muitas dessas operações são feitas através de CRA.  Este tipo de operação ganhou força nos últimos anos levando recursos à diversas empresas, que não teriam a oportunidade de captar no volume ou na taxa que captam baseado em seus números. Neste caso, a estrutura fala mais alto e a principal avaliação de risco é baseada em um grupo de ativos securitizados, e não no balanço de uma empresa (normalmente recebíveis de clientes). O racional por traz da estrutura está no fato de que o fluxo que irá pagar a operação será provido da liquidez gerada através desses ativos, que dependem pouco (ou na melhor das estruturas nada) da atuação do cedente daqueles ativos.


Esse modelo não é novo, pois já foi muito utilizado principalmente nos mercados mais desenvolvidos para amparar operação imobiliárias, de carros, cartão de crédito etc. São os chamados ABS (Asset-backed security) que permitem que o devedor do papel faça uma captação para financiar o capital de giro relacionado a ativos, de maneira bem mais barata, caso utilizassem seu balanço junto com outras garantias. É um mercado bastante desenvolvido no exterior e somente no cenário americano girou em torno de 1,5 trilhões de dólares, segundo a SIFMA (Securities Industry and Financial Market Association). Mas é fato que esse tipo de operação requer certo cuidado na estruturação e no monitoramento.


No caso da estruturação, é importante ter em mente diversos temas como, por exemplo, a qualidade do ativo que se está securitizando, ou seja, que tipo de título está por traz daqueles recebíveis e qual relação comercial gerou aquele título. Outro ponto é a forma de liquidação dos mesmos, observando que o formato original de liquidação será preservado e em que momento isso pode variar. Também vale destacar os riscos regulatórios e legais que a estrutura se ampara, a pulverização que os recebíveis terão, a seleção dos tipos de ativos que devem fazer parte daquela securitização, a subordinação a ser utilizada, além da estrutura que trará robustez jurídica àqueles ativos, e ainda, como e em que periodicidade será feito o monitoramento, entre outros temas.  Enfim, montar uma estrutura onde se consiga levar ao máximo a análise do risco à carteira de ativos, e sair do risco corporativo de balanço, é fundamental para conseguir viabilizar esse tipo de CRA. Claramente não é uma ciência exata, e temos que considerar ponderações de cada uma destas características para se criar uma estrutura equilibrada.


No campo do monitoramento, especialmente em um país como o Brasil, e mais importante ainda dentro do agro, que é um setor com características distintas em diferentes regiões do país, é de suma importância acompanhar os vencimentos da carteira, como está sendo feita sua formalização, como está o cedente daqueles créditos e como está o desenvolvimento da região da carteira, por exemplo. Neste tipo de CRA, a estruturação é fundamental, mas a operação só “ganha vida” depois de sua liquidação. É no monitoramento onde se ganha o jogo, onde o gestor da securitização vai garantir que as regras serão seguidas. Essas complexidades muitas vezes variam não somente de país para país, mas também em relação aos setores e regiões. Devido a essa difícil equação e aos detalhes das estruturadoras, as empresas que trabalham com esse tipo de operação acabam sendo especialistas setoriais.


De maneira geral, essa estrutura ainda é pouco utilizada para maior parte dos players do mercado, dado a complexidade citada. Mas é importante destacar que quando a estrutura é bem-feita e monitorada, ela permite levar recursos para empresas que não teriam essa oportunidade e inclusive reduzir custos de captação para estas empresas. Utilizando este modelo de CRA, a Ecoagro teve a oportunidade de levar alguns bilhões de reais diretamente a cadeia de insumos do agro. Verdade seja dita: deu trabalho!!!! Mas para nós é um grande orgulho saber que estamos fazendo a diferença para tantas empresas e produtores.


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